quinta-feira, 3 de março de 2016

Nossos ancestrais foram "símios aquáticos"?

Trata-se de uma das ideias mais incomuns que já foram propostas sobre a evolução: os seres humanos derivam de símios anfíbios que perderam a pelagem, começaram a caminhar eretos e desenvolveram cérebros maiores porque se acostumaram à boa vida oferecida pelo ambiente terrestre.


Trata-se da teoria do símio aquático, e ainda que ela tenha sido tratada com desdém por alguns acadêmicos ao longo dos últimos 50 anos, continua a contar com a adesão de um grupo pequeno mas dedicado de cientistas. Na semana que vem, eles realizarão uma grande conferência em Londres durante a qual diversos palestrantes, entre os quais o naturalista e documentarista britânico David Attenborough, expressarão apoio ao conceito.

"Os seres humanos diferem bastante dos demais símios", diz Peter Rhys Evans, organizador da conferência, intitulada "Evolução Humana: Passado, Presente e Futuro". "Não temos pelagem corporal, caminhamos eretos, nossos cérebros são grandes, temos gordura subcutânea e uma laringe rebaixada, traço comum entre os animais aquáticos mas não entre os símios".


Os modelos evolutivos padrão sugerem que esses traços diferenciados surgiram em períodos separados e por motivos distintos. A teoria do símio aquático argumenta que eles todos ocorreram porque nossos ancestrais decidiram viver na água ou perto dela por centenas de milhares ou possivelmente milhões de anos.


A teoria foi proposta inicialmente em 1960 pelo biólogo britânico sir Alister Hardy, que acreditava que os símios haviam descido das árvores para viver não nas savanas, como em geral se supõe, mas nas margens de rios, na beira do mar e em regiões alagadiças, que representam algumas das mais ricas fontes de alimentos do planeta.


Para manter as cabeças acima da água, eles evoluíram a postura ereta, o que também liberou suas mãos para a criação de ferramentas que permitiam quebrar a casca dos crustáceos. Em seguida, perderam a pelagem do corpo e em lugar dela desenvolveram uma camada espessa de gordura subcutânea para manter seus corpos aquecidos na água.

Os cientistas mais tarde adicionaram alguns outros traços característicos do ser humano à lista da origem supostamente aquática --os seios paranasais são uma adição recente à lista, diz Rhys Evans, especialista em fisiologia da cabeça e pescoço no hospital Royal Marsden, em Londres.


"Os seres humanos têm seios paranasais especialmente grandes --os espaços em nosso crânio entre as bochechas, nariz e testa", ele diz. "Mas por que temos espaços vazios em nossas cabeças? Não faria sentido a não ser que consideremos a perspectiva evolutiva. E dessa forma a questão se esclarece: os seios paranasais agiam como sistemas de flutuação auxiliar para ajudar a manter nossas cabeças acima da água".


Outros paleontologistas descartam partes da teoria. Um ou dois traços humanos podem ter surgido porque nossos ancestrais escolheram viver perto do mar, mas atribuir a isso o pacote completo de atributos --falta de pelos, postura ereta, cérebro de grande porte, seios paranasais e outros traços-- certamente representa um exagero, afirmam.


"Creio que vadear em um ambiente aquático é uma explicação tão boa quanto qualquer outra das atualmente disponíveis sobre o nosso andar ereto, no que tange ao bipedalismo humano", diz o professor Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres.


"Mas o pacote completo do símio aquático inclui atributos que surgiram em momentos muito diferentes de nossa evolução. Se todos resultassem de ancestrais que viveram em um ambiente aquático, teríamos de ter passado milhões de ano vivendo nele, e não existem provas nesse sentido --para não mencionar o fato de que crocodilos e outras criaturas teriam feito da água um lugar muito perigoso".


Não é só a fisiologia humana que revela nosso passado aquático, argumentam os proponentes da teoria. A bioquímica de nosso cérebro também é reveladora. "O ácido docosahexanoico (DHA) é um ácido gorduroso Omega-3 encontrado em larga quantidade nos frutos do mar", disse o dr. Michael Crawford, do Imperial College London.


"Ele estimula o crescimento do cérebro nos mamíferos. É por isso que um golfinho tem cérebro muito maior que uma zebra, ainda que os dois animais tenham corpos mais ou menos do mesmo tamanho. O golfinho tem uma dieta rica em DHA. O ponto crucial é que sem uma dieta com alto teor de DHA como a propiciada pelos frutos do mar, não poderíamos ter desenvolvido nossos grandes cérebros. Ficamos inteligentes porque vivíamos na água e comíamos peixe."


"O mais importante é que agora enfrentamos um mundo no qual as fontes de DHA --os estoques de peixes-- estão sob ameaça. Isso tem consequências cruciais para a nossa espécie. Sem, DHA abundante, encararemos um futuro de doença mental mais frequente e de deterioração intelectual. Essa é a verdadeira lição da teoria do símio aquático".


NASCIMENTO DE UMA TEORIA



Originalmente delineada pelo biólogo Alister Hardy, a hipótese do símio aquático conquistou destaque quando a teoria foi encampada pela escritora galesa Elaine Morgan nos anos 70 (entre seus trabalhos anteriores, estavam roteiros para a série de TV e rádio "Dr Finlay's Casebook".)


Morgan não se conformava com as explicações de orientação masculina para atributos humanos como a ausência de pelagem. De acordo com as ideias então prevalecentes, os machos humanos perderam sua pelagem corpórea quando começaram a caçar e precisavam suar profusamente, no calor da África. Mas não havia explicação para a perda da pelagem dos corpos femininos. Como resultado, Morgan adotou a teoria do símio aquático, que em sua opinião oferecia uma visão mais balanceada sobre a evolução humana. Ela escreveu um relato acessível sobre a teoria, "The Descent of Women" [ascendentes das mulheres], que se tornou best seller dos dois lados do Atlântico.

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